Filho de imigrantes italianos radicados no interior de São Paulo, Nicolino Milano foi um violinista, compositor, orquestrador e regente que exerceu papel chave na construção de um sistema de trocas musicais entre Brasil e Portugal no início do século xx. em um período marcado pela presença massiva de maestros e compositores portugueses no Rio de Janeiro, Milano empreendeu o caminho inverso, conquistando expressivo reconhecimento em Portugal e mais tarde em França. seu primeiro grande êxito no exterior foi a música para a burleta “A Capital Federal”, de Artur de Azevedo (1855-1908), uma das primeiras produções teatrais brasileira a ter grande repercussão em Lisboa ainda no ano de 1902, seguida de “Fado Liró”, escrita para a revista A.B.C em 1906. sua discografia está hoje dividida entre os dois lados do Atlântico: a Discografia Brasileira em 78 rpm do Instituto Moreira Salles regista 30 discos com obras de sua autoria enquanto a coleção José Moças da Universidade de Aveiro apresenta 16 registos – em sua maior parte música para teatro de revista, composta por maxixes, fados, tangos e habaneras.
Biography
Nascido na cidade de Lorena, situada no Vale do Paraíba, estado de São Paulo, em 25 de junho de 1876, Nicolino Milano mudou-se ainda jovem para o Rio de Janeiro, onde estudou violino com Vincenzo Cernicchiaro e harmonia com Miguel Rossi (Vasconcelos, 1977, p. 295). Para além da formação conservatorial centrada na música europeia, Nicolino Milano foi influenciado pelo contexto da música popular urbana do Rio de Janeiro de finais do século XIX, onde géneros locais brasileiros como o tango brasileiro e o maxixe dominavam a cena. Sua interação com músicos populares, como o pianista e compositor Ernesto Nazareth, transparece na imprensa carioca do período: o jornal O Fluminense (28 agos.1895) menciona, por exemplo, um concerto de amadores realizado no Rio de Janeiro onde Milano, com apenas 18 anos de idade (descrito como um “artista completo”, cujo violino parecia “gemer, rir, soluçar e cantar”) é acompanhado por Ernesto Nazareth ao piano. Esta influência da música popular será decisiva para a trajetória de Milano: como compositor inserido no sistema de entretenimento transnacional baseado no teatro de revista e nos discos de 78 rpm, – ele será um dos principais maestros brasileiros a incorporar práticas musicais locais, como maxixes, tangos e choros, ao contexto dos palcos e da então nascente indústria fonográfica. O contato com os músicos populares e com o ambiente boêmio do Rio de Janeiro parece também estar expresso em depoimentos críticos ao jovem músico. O empresário teatral português António de Sousa Bastos, em seu livro Carteira de Artista, publicado em 1898, descreve Milano como “um dos um dos melhores músicos do Rio de Janeiro, e muito longe poderia ir, se não fosse um incorrigível boêmio", o que demonstra que a fama do violinista já chegava então ao outro lado do Atlântico.
Se o seu talento como instrumentista já era reconhecido desde o início da década de 1890, o ano de 1897 marcou seu primeiro sucesso como compositor teatral. Em colaboração com Assis Pacheco e Luiz Moreira escreveu parte das músicas da burleta “A Capital Federal”, do escritor brasileiro Artur Azevedo, estreada no Teatro Recreio do Rio de Janeiro no mesmo ano. No ano de 1900, por ocasião das comemorações do quarto centenário do descobrimento do Brasil, compôs o Hino Luso-Brasileiro, a partir de temas os hinos nacionais do Brasil e de Portugal, estreada no Teatro Apolo do Rio de Janeiro em maio deste ano.
Em dezembro de 1902 fez sua estreia como maestro em Portugal, na première da peça A Capital Federal no Teatro da Trindade, recebida com grande aclamação de crítica e do público. O crítico da Revista Brasil-Portugal (16 dez.1902) classificou a música de Milano como “o que há de mais inspirado e gracioso”, para além de louvar a peça como um marco na consagração do teatro brasileiro em Portugal:
Do princípio ao fim da peça o público ri desafogadamente, e como na primeira noite eu notasse na sala muitos espectadores do Brasil ou que lá tinham estado, chamei a minha atenção para esses e observei, medi a impressão que a peça lhes ia produzindo no decurso dos seus três atos, e concluí que para achar valor àquilo que o tem, graça onde ela existe, talento onde ele se impõe, arte onde ela se patenteia, se a linguagem é a mesma, a nossa bela, rica e sonora linguagem portuguesa, o mesmo é ser português ou brasileiro, porque todos os que assistem à Capital Federal riem com a mesma alegria, aplaudem com o mesmo calor, sentem impressão igual. E ao ver assim em pleno sucesso uma obra literária brasileira, cujos papeis principais são também desempenhados por artistas brasileiros, penso que o Brasil acaba de tirar a sua desforra: há quatro séculos conquistamo-lo nós: agora conquista-nos ele.
De entre os números musicais de maior popularidade da peça estava o Maxixe da Capital Federal, que recebeu pelo menos três gravações em Portugal (todas elas parte integrantes da Coleção José Moças da Universidade de Aveiro), sendo a primeira realizada no ano de 1903, pela Banda da Guarda Municipal de Lisboa (Gramophone 60174). A popularidade deste maxixe foi enfatizada pelo jornal carioca “A Gazeta de Notícias”, de 2 de junho do mesmo ano, que trazia em sua em sua coluna dedicada ao panorama teatral em Lisboa, assinada por um certo “João Câmara”, o seguinte trecho: “Há um ditado francês que diz: tout passe, tout lasse, tout casse. Chegou a vez de morrer o Maxixe da Capital Federal, que reinou todo o inverno no assovio do garoto, o que é a suprema prova da popularidade”. Apesar desta afirmativa, o maxixe de Nicolino Milano parece ter sobrevivido no interesse comercial da época, a ponto de ter recebido mais duas gravações em Portugal, pelo cantor Jorge Bastos, em 1911 (Homokord 9286) e pelo cantor Avelino Batista (Odeon 13004). Para além das gravações em Portugal, o Maxixe da Capital Federal receberia três gravações no Brasil, pelos cantores João Barros e Júlia Martins (Disco Victor 98908), Geraldo Magalhães (Disco Odeon 40602) além de uma gravação instrumental com grupo não identificado (Disco Odeon 40775).
No anos seguintes exerceu intensa atividade como compositor de música para diversas peças teatrais apresentadas em Portugal e Brasil, como João das Velhas de E. Schwalbach e D. João da Câmara (estreada no Rio de Janeiro em junho de 1903), Flor do Tojo, de Campos Monteiro (estreada no Rio de Janeiro em 1905), escrevendo ainda músicas para versões traduzidas de peças estrangeiras como Caprichos do Diabo (tradução de Batista Diniz) e Noite de Núpcias (tradução de Eduardo Garrido). Em 1906 escreveu a música para a revista A.B.C, de autoria de Acácio de Paiva e Ernesto Rodrigues, estreada neste mesmo ano no Teatro Trindade de Lisboa. De entre músicas compostas para esta peça, o Fado Liró se destacaria como um de seus maiores sucessos como compositor tanto em Portugal quanto no Brasil. Em 1907 passou a integrar a companhia José Ricardo, dirigida pelo ator português de mesmo nome, com a qual realizou, na qualidade de maestro, uma tournée pelo norte do país (O Paiz, 4 jun. 1907).
A partir da década de 1910 passou também a atuar em Paris, onde cumpriu relevante papel na disseminação do fado como música de salão.
Related Discography
Título | Autores | Intérpretes | Acompanhamento | Género | Gravadora | Nº do disco | Nº da matriz | |
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DANÇA BRESILIENNE |
GRAMOPHONE
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BJ683 (master)
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DANÇA BRAZILEIRA |
HIS MASTERS VOICE
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EQ 75
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CANÇÃO DE MARIA |
CANÇÃO
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HIS MASTERS VOICE
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E.Q.161
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7-69328
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CANÇAO DE MARIA |
CANÇÃO
|
HIS MASTERS VOICE
|
E.Q.161
|
7-69328
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VENDEIRO E A MULATA, O |
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VICTOR R
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98.879
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