Reativando Memórias


Libertar memórias sonoras é um dos principais objetivos do Liber|Sound. Esta secção é dedicada à divulgação de ações artísticas desenvolvidas pelo projeto centradas na recriação e reinterpretação de repertórios gravados em discos 78 rpm ou outros suportes obsoletos por músicos e arranjadores da atualidade. O Festival Lusossonia, realizado através do edital IberMúsicas 2021, em parceria com a Escola de Música Guilhermina Suggia e o Clube do Choro do Porto, foi uma das principais ações de reativação de memórias do Liber|Sound.

O concerto realizado no dia 28 de maio de 2022 no Espaço M.ou.co na cidade do Porto, Portugal, apresentou um repertório focado em géneros musicais, compositores e intérpretes que construíram pontes sonoras entre Brasil, Portugal e Moçambique na primeira metade do século XX. A partir de um repertório selecionado a partir de discos oriundos da Coleção José Moças da Universidade de Aveiro e da Discografia Brasileira em 78 rpm, dois arranjadores brasileiros – Jayme Vignoli e Marcilio Lopes – foram convidados a recriar temas instrumentais e canções representativos destes trânsitos musicais transatlânticos. 

Ficha técnica:

Pedro Aragão - bandolim e direção musical/Chico Bastos (flauta)/Klênio Barros (trombone)/Saulo Giovannini (vibrafone)/João Pita Jr. (violão)/Vinicius Lucena (violão de 7)/Felipe Bastos (bateria)/Patricia Lestre (canto)

Produção: Cristina Henriques

 

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José de Nunes
Maxixe de Ferro

Maxixe de autoria do compositor brasileiro José Nunes, parte integrante da Revista Cá e Lá, de Tito Martins e Bandeira de Gouveia, cuja estreia se deu em 15 de março de 1904 no Teatro Recreio Dramático do Rio de Janeiro. Foi gravado neste mesmo ano pela Banda da Casa Edison (Disco Odeon 40031). Em sua versão cantada, receberia o título de “Maxixe Aristocrático”, tendo sido gravado no Brasil pelos cantores Pepa Delgado e Alfredo Silva (Disco Odeon 40224) em 1905, Olimpio Nogueira e Medina de Sousa em 1907 (Disco Victor 98796) e pelo Grupo Baianinho em 1910 (Disco Columbia 12097). Em Portugal seria gravado em Lisboa por Geraldo Magalhães e Medina de Sousa (Gramophone Co. 64332). A versão tocada no concerto do Festival Lusossonia é uma adaptação feita por Marcilio Lopes a partir de um arranjo original de Pixinguinha para o programa radiofónico “O Pessoal da Velha Guarda”, transmitido pela Rádio Tupi do Rio de Janeiro na década de 1950.

Chiquinha Gonzaga
Gaúcho

Composto originalmente para a burleta de costumes intitulada "Zizinha Maxixe", estreada no Teatro Éden Lavradio no Rio de Janeiro em 1895. Trata-se da composição mais famosa de Chiquinha Gonzaga, tendo recebido diversas gravações em discos 78 rpm desde o início do século, de entre as quais destacam-se as versões do duo Os Geraldos gravada em 1904 no disco Odeon R 40054, a versão do Grupo Chiquinha Gonzaga no ano de 1912 em disco Columbia R 11773 e a versão de Geraldo Magalhães e Medina de Sousa em disco Zon-o-phone Z-054015. A versão apresentada no Festival Lusossonia é uma adaptação do arranjo de Pixinguinha para o programa "O Pessoal da Velha Guarda", realizada por Marcilio Lopes. 

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Ernesto Nazareth
Ferramenta

Publicado em 1905 pela Casa Vieira Machado no Rio de Janeiro, o tango brasileiro "Ferramenta" de Ernesto Nazareth foi composto em homenagem a António da Costa Bernardes, aeronauta português e um dos primeiros a sobrevoar a cidade do Rio de Janeiro em um balão. Conhecido pela alcunha de "Ferramenta", Costa Bernardes atraía multidões ao Campo de Santana, onde costumava a fazer seus voos aéreos, tornando-se uma figura muito conhecida na então capital do Brasil, a ponto de gerar uma expressão popular ("Olá seu Ferramenta, você sobe ou se arrebenta"). A versão aqui apresentada é uma adaptação de Marcilio Lopes para um arranjo original de Pixinguinha escrito na década de 1950 para o programa radiofónico "O Pessoal da Velha Guarda"

António Francisco da Conceição
Elsa

António Francisco da Conceição foi instrumentista de guitarra portuguesa com larga atuação no ambiente do fado do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX. Português de nascimento, desconhece-se a sua data de nascimento e de chegada ao Brasil. Deixou cerca de 30 fonogramas gravados na Casa Edison do Rio de Janeiro, a maior parte de sua própria autoria. A valsa “Elsa” seria regravada por Jacob do Bandolim no ano de 1951 (Disco RCA-Victor 80-0789). O arranjo desta música para o Festival Lusossonia é de autoria de Marcilio Lopes, feito a partir da gravação original do compositor.

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Arquimedes de Oliveira/folclore moçambicano
Vem cá mulata/Laurinda

"Vem cá mulata", escrito pelo compositor brasileiro Arquimedes de Oliveira para o Clube Democráticos do Rio de Janeiro no início do século XX, é um dos maxixes brasileiros mais gravados entre os anos de 1900 e 1910, tanto em Lisboa quanto no Rio de Janeiro. De entre as diversas versões, destacam-se as gravações de Isabel Costa e Duarte Silva de 1908 (Odeon R 43186) e a do Duo Os Geraldos de 1909 (Odeon R 108124 / 108290). O arranjo de Marcilio Lopes busca juntar este maxixe à marrabenta moçambicana Laurinda gravada na década de 1960 pela Orquestra Djambo - e evidenciar os laços de parentesco entre estes dois géneros musicais que fazem parte de um espaço atlântico compartilhado entre Brasil e Moçambique.

Carlos Calderón
Maxixe

Carlos Calderón foi um compositor português com grande atuação no ambiente do teatro de revista no início do século XX, tendo sido ainda um pioneiro da fonografia em Portugal como criador da Sociedade Phonographica Portugueza. Suas músicas refletem a intensa troca musical e artística promovida pelas companhias de teatro portuguesas atuantes no Brasil. Para além de compor fados e canções, Calderón também escreveu um maxixe – género musical típico do Rio de Janeiro – gravado em 1908 pela Banda da Guarda Municipal de Lisboa e hoje parte integrante da Coleção José Moças da Universidade de Aveiro. Não foram encontradas partituras editadas deste maxixe: a versão de Jayme Vignoli para o Festival Lusossonia foi feita a partir da gravação original, ainda que o arranjador tenha recriado a obra a partir de elementos musicais contemporâneos.

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Jayme Vignoli
Muxongo

Lundu de autoria do maestro, cavaquinista, arranjador e compositor brasileiro Jayme Vignoli (1967-). 

 

Jayme Vignoli
Caraminhola

Lundu de autoria do maestro, compositor e arranjador brasileiro Jayme Vignoli (1967)

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Nicolino Milano
Fado Liró

Escrito originalmente para a revista ABC, de autoria de Acácio de Paiva e Ernesto Rodrigues, estreada em 1906 no Teatro Trindade de Lisboa, o Fado Liró tornou-se uma das peças mais conhecidas do maestro brasileiro Nicolino Milano. Recebeu diversas gravações em discos 78 rpm ao longo da primeira metade do século XX por artistas brasileiros e portugueses tais como o duo Os Geraldos em 1909 (Disco Odeon 108246), o cantor brasileiro Mário Pinheiro em 1910 (Disco Victor R 98949), a Banda Escudero em 1912 (Disco Odeon R 108859), o cantor Almeida Cruz também em 1912 (Disco Columbia R B-104) e finalmente pelo cantor Joaquim Pereira em 1953 (Disco Todamérica TA-5305). O arranjo de Jayme Vignoli apresentado no vídeo do concerto com o Clube do Choro do Porto e a cantora Patricia Lestre aproveita vários elementos das gravações antecedentes, mas ao mesmo tempo propõe uma nova roupagem e essencialmente uma nova harmonização para esta peça.

Chiquinha Gonzaga
Morena

Segundo Edinha Diniz, biógrafa e pesquisadora da obra de Chiquinha Gonzaga, a canção A Morena teria sido publicada pela primeira vez em partitura no ano de 1901 em uma coletânea intitulada Cançonetas para piano e canto por Manuel Antônio Guimarães. Foi dedicada pela autora ao cantor Geraldo Magalhães, um dos primeiros cantores negros brasileiros a obter reconhecimento internacional, com expressiva atuação em Portugal. Com letra de Ernesto de Sousa, A Morena foi gravada pela primeira vez no ano de 1907 por João Barros (Disco Victor 98904), seguida de duas gravações por Luiz de Freitas em 1910  (Disco Columbia R 11943) e em 1912 (Disco Columbia R B-211). Estas gravações, conquanto estejam apontadas na Discografia Brasileira em 78 rpm organizada pelo Instituto Moreira Salles, permanecem, entretanto, perdidas até aos dias de hoje. Em 1979, recebeu outra gravação pela cantora Vânia Carvalho no LP Evocação II – Chiquinha Gonzaga (Gravadora Eldorado). A recriação de Marcilio Lopes para o Festival Lusossonia aproveita um pequeno trecho de outro tema de Chiquinha Gonzaga – a habanera Sonhando – para a introdução e a coda da música.

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Chiquinha Gonzaga
Forrobodó

Burleta de costumes estreada em 1911 no Teatro São José no Rio de Janeiro, com música de Chiquinha Gonzaga,  a peça “Forrobodó” tinha como carro-chefe o tango “Forrobodó de massada”, também conhecida como “Não se impressione” ou “Tango do Guarda noturno”. Segundo Edinha Diniz, biógrafa e especialista na obra de Chiquinha Gonzaga, uma das maiores novidades da burleta estava no uso de linguagem popular, considerada por muitos de baixo calão. O termo “forrobodó”, segundo o dicionário Priberam, significa “festa ruidosa e muito animada”, ou ainda um “baile popular”. Segundo a Discografia Brasileira em 78 rpm, esta música teria sido gravada em 1914 pelo cantor brasileiro Bahiano (Disco Odeon 120966), mas o registo permanece até hoje desconhecido. O arranjo de Jayme Vignoli para o concerto do Festival Lusossonia propõe uma recriação desta peça a partir de rearmonizações contemporâneas.

Folclore moçambicano/Sinhô
Elisa Gomara Saia/Gosto que me enrosco

Marrabenta das mais conhecidas em Moçambique, Elisa Gomara Saia foi gravada pela Orquestra Djambo na década de 1950. Este arranjo de Jayme Vignoli procura demonstrar a proximidade entre este género musical popular urbano de Moçambique e o maxixe brasileiro, através de uma releitura que inclui ainda o clássico Gosto que me enrosco de autoria de Sinhô.